Contorno Viário: com 96% de conclusão, transportes públicos precisam de investimento em massa

Prevista inicialmente para 2012, mas iniciada somente em 2014, a obra do Contorno Viário de Florianópolis deve ficar pronta em julho. A pergunta então passa a ser até que ponto a nova via vai impactar a mobilidade da região.

Trevo na intercessão do Contorno Viário com a BR-101 (Norte), em Biguaçu – Foto: FIESC/Saporiti/PeDrones

Especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que haverá uma melhora significativa no tráfego da BR-101, mas alertam que é necessário investimento em transporte público de massa na região metropolitana para resolver o problema dos engarrafamentos.

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), trafegam em média todos os dias pela BR-101 na Grande Florianópolis cerca de 100 mil veículos. As estimativas sobre quanto desse montante vai desviar pelo contorno, o chamado tráfego de passagem, variam de 18% a 30%.

Arteris Litoral Sul, concessionária responsável pela obra, estima que cerca de 18 mil veículos utilizem a nova rodovia por dia, aliviando o tráfego da BR-101.

“O motorista que utilizar o Contorno Viário poderá fazer a travessia da Grande Florianópolis em até 38 minutos, gerando um ganho médio de tempo de viagem de 1 hora e 22 minutos nos horários de pico”, informou em nota.

Um estudo da FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), no entanto, mostrou que este dado é do projeto executivo, de 1995.

“Agora, considerando-se uma previsão de entrega das obras no final do 1º semestre de 2024, podemos prever um volume de tráfego de  aproximadamente 23 mil veículos pesados/dia, que utilizarão a via”.

Adriano Fiamoncini, chefe do Núcleo de Comunicação da PRF, espera que até 30% do tráfego seja desviado para o contorno. “30% pode parecer pouco, mas é uma porcentagem de veículos diferentes”.

Isso porque devem trafegar pela nova pista caminhões pesados, como os que levam containers para os portos. “Vai aliviar muito o traçado antigo porque vai deixar de ser um trânsito pesado, onde motocicletas disputam cada metro de espaço com carretas de 50 toneladas.

Será um trânsito, em sua maioria, de veículos leves, de motocicletas, automóveis e caminhões leves. Vai facilitar demais a fluidez e a segurança do trânsito”, avaliou Fiamoncini.

Para o presidente da Câmara de Transporte e Logística da FIESC, Egídio Antônio Martorano, o primeiro aspecto positivo da obra será a separação do tráfego de longa distância do tráfego local em uma área que se tornou altamente urbanizada.

“Além disso, tem a redução dos níveis de gases e dos ruídos causados pela paralisação dos veículos. E redução dos acidentes também. Não são acidentes, muitas vezes, de grandes proporções, mas causam transtornos por causa do gargalo que existe”.

Fiamoncini reitera que a BR-101, nesta região, perdeu as características de rodovia devido à crescente urbanização. “Ela mais se assemelha a uma avenida que serve aos moradores.

A maioria dos acidentes que atendemos são de pessoas que moram num raio de cinco e 10 quilômetros. Só que a rodovia foi feita para longos deslocamentos. No caso da BR-101, as cidades cresceram muito e ‘engoliram’ a rodovia.”

Alívio no tráfego precisa ser aproveitado para investimento em transporte de massa, diz pesquisador

Transportes públicos devem ganhar investimento em massa, afirma especialista – Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O alívio no tráfego que ocorrerá na BR-101 com a inauguração do Contorno Viário de Florianópolis precisa ser aproveitado para a implantação de corredor exclusivo para ônibus ou para outro um veículo de alta capacidade, que faça trajetos em tempo muito curto, virando uma opção atraente para os usuários.

A análise é do professor do Departamento de Automação e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador do Observatório da Mobilidade Urbana da UFSC, Werner Kraus Junior.

“Haverá um alívio significativo se conseguir, por exemplo, que os caminhões passem pelo contorno e uma porção dos automóveis também o façam”, disse. No entanto, a melhora pode ser temporária.

Com o passar dos anos, afirmou Kraus Junior, o tráfego local vai começar a crescer novamente se não houver uma solução estruturadora para o transporte de massa, como um corredor de ônibus ou de metrô de superfície.

“A solução mais prática de implantar é a solução de ônibus, do tipo BRT. Isso já estava previsto no PLAMUS (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis), que dizia que tinha que ter um corredor ao longo deste trecho da BR-101, combinado com um corredor insular na Ilha de Santa Catarina e um corredor de conexão entre os dois corredores”, explicou o pesquisador.

Kraus Junior salientou a necessidade de se pensar a mobilidade urbana de forma integrada.

“Não tem como dissociar os municípios. A gente vê uma só cidade conurbada que abrange a divisão política de quatro municípios, mas é uma só cidade metropolitana, e as soluções precisam ser pensadas em conjunto.”

Cidades do contorno precisam evitar urbanização sem planejamento da nova via

O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) e a FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina) são entidades com propósitos bem diferentes.

No entanto, os dois têm uma recomendação semelhante em relação ao Contorno Viário de Florianópolis: que os municípios afetados pela obra revisem seus Planos Diretores para evitarem  urbanização desordenada ao longo da nova via.

De acordo com o presidente da Câmara de Transporte e Logística da FIESC, Egídio Antônio Martorano, os estudos da entidade têm sugerido que os municípios de Palhoça, São José, Biguaçu e Governador Celso Ramos estabeleçam uma espécie de “Plano Diretor” das áreas lindeiras às faixas de domínio do contorno, regulamentando o desenvolvimento delas”. “Porque se não, no futuro, a vida pode se tornar uma via urbana como está a BR-101”.

Em março, a 30ª Promotoria de Justiça da Capital promoveu uma reunião ampliada para discutir a situação das áreas afetadas pelo contorno. “A questão do Contorno Viário é um assunto que está em voga há muito tempo e agora acompanhamos mais de perto os seus impactos em relação ao entorno e à ocupação dessas áreas que se estendem por mais de um município”, destacou o Promotor de Justiça Daniel Paladino.

Obras do Contorno Viário estão com 96% dos trabalhos concluídos

Traçado em vermelho prevê a ligação entre o Contorno Viário da Grande Florianópolis [amarelo] e a BR-282 [em roxo] – Foto: Dnit/Divulgação/ND

De acordo com a Arteris Litoral Sul, concessionária responsável pela obra, 94% dos trabalhos foram concluídos no Contorno Viário de Florianópolis. Atualmente, mais de 1.500 trabalhadores atuam na construção e mais de 250 equipamentos pesados estão em operação.

Em junho de 2023, quando o prazo para a conclusão era dezembro daquele ano, um estudo da FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina) liderado pelo engenheiro Ricardo Saporiti previa ser improvável aquela meta, indicando meados de 2024 para o término das obras.

Em fevereiro deste, novo estudo mostrou que a liberação da nova rodovia poderia acontecer até um mês antes do previsto, ou seja, junho.

Ainda segundo a Arteris Litoral Sul, a maior concentração dos trabalhos está no trecho sul, em Palhoça, com as obras nos trevos de interseção do Contorno Viário com a BR-101 Sul e com a BR-282, além de atividades de pavimentação, drenagem e sinalização.

“Já nos trechos norte e intermediário, as obras civis estão praticamente concluídas e os trabalhadores atuam com paisagismo e instalação de sinalização vertical e horizontal. Dos seis acessos por trevos da futura rodovia, quatro estão concluídos e as sete pontes do projeto estão prontas. Das vinte passagens em desnível, 17 já estão sendo utilizadas pela comunidade. A rodovia, que tem 50 quilômetros de extensão, já está com 46 quilômetros pavimentados”, informou por nota.